Imagem televisiva e espaço político - Vilém Flusser

O trecho da palestra de Vilém Flusser é muito interessante. Eu gostei bastante, mas achei as problematizações bem complicadas de serem absorvidas e, por isso, tive que assistir algumas vezes. Também procurei informações sobre a Revolução Romena, que parece ter sido um dos fatos que levou às reflexões da palestra. O filósofo checo-brasileiro inicia a meditação dizendo que existem duas maneiras de encararmos o mundo: a imagem e a escrita linear. A imagem seria uma cena que nos orienta sobre o mundo, feita a partir de um distanciamento subjetivo desse mesmo mundo. Assim, a imagem significa o mundo, mas, ao fazer isso, ela acaba também o escondendo. Elas escondem o que aconteceu, o que as faz antipolíticas. Diante disso, foi inventada a escrita linear cuja finalidade seria explicar racionalmente as imagens, ou seja, mostrando o que aconteceu, sendo política. Nesse contexto, tem-se uma consciência mágica-mítica sobre a imagem e uma consciência política da escrita linear, que sempre está contra a imagem. Para mim, ele estabelece uma relação de disputa entre a imagem (imaginação) e texto (pensamento conceitual). Ao fazer isso ele explicita vários episódios que parecem batalhas como, por exemplo, o Iluminismo, no século XVIII, que seria o apogeu da escrita linear, e consequentemente, do desenvolvimento político - definindo a política como uma dialética entre o público e o privado. Já no século XIX, a imagem parece ter vencido a luta por meio da criação da fotografia. Tal invenção teria por objetivo documentar a História, o que estava a serviço da política. Contudo, principalmente a partir da 2° Guerra Mundial, a relação se inverte: a política passa a ser feita para ser capturada na imagem. Segundo ele, os acontecimentos na Romênia seriam a radicalização desse processo, chegando ao que ele chama de pós-História. A imagem passa a ser a experiência real, ela é a realidade e o que está por trás dela não importa mais. Assim, raciocínio político e pensamento não fazem mais sentido, pois vão contra a imagem. 

A partir da palestra, pensei em algumas questões para discussão:

1- Eu concordo que podemos encarar o mundo por meio da imagem e da escrita, mas não acho elas necessariamente estabeleçam uma relação de disputa entre si. Pelo contrário, acho que elas são complementares no entendimento do mundo. Cada situação tem características e objetivos particulares que podem fazer com que imagem ou escrita sejam privilegiadas naquele contexto, contudo isso não anula o valor da outra. Afinal, a imagem, expressão da imaginação, dá condições para o desenvolvimento da escrita, do pensamento conceitual. Esse, por sua vez, leva a novas ideia, novas cenas, fazendo nascer ou perceber novas imagens. 

2- Em um momento, Flusser diz que a imagem se distância da política, pois ao vê-la de fora, afastada, mostra vários pontos de vista possíveis e nenhum é o certo. Apesar de não concordar que isso afasta da política, eu acho que a multiplicidade de visões da cena criada pela imagem é real. Isso acontece pela inserção dessa cena em diferentes contextos - é consequência da ampliação possibilitada pela reprodução, como discutido no documentário "Ways of Seeing" que debatemos anteriormente.

3- Pelo título da palestra, eu esperava que a questão da imagem televisiva fosse mais explorada. Ele diz que a televisão, como qualquer outra imagem, não pode ser uma coisa política. Ela seria antipolítica na sua estrutura. Talvez, naquele contexto em 1990, a televisão não fosse, de fato, política; mas, atualmente, eu não vejo como desvincular a imagem televisiva do contexto político. Com as redes sociais a televisão perdeu um pouco de sua influência, mas ela ainda é muito política no sentido de que dissemina informações e imagens que afetam as ações dos indivíduos. O próprio Flusser define a política como uma dialética entre público e privado e, para mim, uma das características essenciais da TV é fazer uma ponte entre o coletivo e o particular. Ela pega aquilo que é público e leva para o particular, para a casa das pessoas, ao mesmo tempo que torna coisas privadas em conhecimento geral. Então, eu acho sim que a imagem televisiva é política e, mais do que isso, é influenciadora política. 

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